por Bruno Martins
O Manual “First Responders to a Radiologial Emergency” da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA)1 refere que em consequência de uma emergência nuclear ou radiológica, o publico tende a reagir de maneira inapropriada, resultando muitas vezes em adversos efeitos psicológicos, sociais e económicos. Segundo este documento são estas as mais severas consequências da maioria dos acidentes radiológicos, que ocorrem mesmo quando não há efeitos directos decorrentes da radiação e resultam, principalmente, porque o público não está munido com a informação necessária para poder integrar e analisar as ocorrências.
Este desconhecimento está intimamente relacionado com a geração de apreensão e desconfiança das pessoas face ao risco radiológico, que podem resultar em manifestações físicas delicadas, como stress, depressão ou problemas cardiovasculares, por exemplo1.
Estas afirmações publicadas no documento referido vêm enfatizar o perigo da falta de comunicação ao público, que se transforma em risco real quando o nível de ignorância é tão elevado que leva as pessoas a tomarem medidas completamente desnecessárias e inconsequentes. Veja-se o exemplo do aumento do número de abortos voluntários registados após o acidente de Chernobyl1.
É, pois, fácil de perceber que para qualquer agência ou entidade que trabalha na área das radiações, é primordial o desenvolvimento de uma estratégia efectiva para comunicação do risco radiológico à população.
A questão, porém, que se impõe é: como fazê-lo?
Para responder a esta pergunta primeiro há que perceber o que é o risco: o termo está associado a alguma ameaça mal definida ou, em termos científicos, a uma possível consequência e à probabilidade da sua ocorrência. Se encararmos o risco como uma grandeza, seria multidimensional e não podia ser representada, sem confusão, por apenas um número.
Uma das complicações associadas ao cálculo do risco da radiação resulta, por exemplo, de que o cancro induzido pela radiação pode revelar-se muitos anos após a exposição: há, portanto, que especificar durante quantos anos após a exposição devemos continuar a acompanhar a população irradiada e qual a idade quando ocorreu a exposição. Numa perspectiva de análise de risco, podemos definir que o risco depende de uma grandeza relacionada com a radiação, por exemplo a dose equivalente (H). Assim, pode definir-se o risco devido à dose equivalente como uma função r = r(H). O ICRP admite que o risco da radiação aumenta linearmente com a dose (que, no entanto, é uma premissa polémica); se o risco para um valor de H nulo for r = 0, pode calcular-se o risco absoluto, EAR = r(H) - r(0) e o risco relativo, ERR = r(H) – r(0) / r(0), não esquecendo que o objectivo da análise de risco é tomar as melhores decisões de acordo com as incertezas existentes.
Outro documento publicado pela AIEA – What we need to know and when”2 refere que o risco sistémico tem um elevado impacto na sociedade, podendo propagar-se muito além da fonte inicial e afectar a saúde colectiva, as vias de comunicação e o ambiente, entre outras. Considera também, no entanto, que um importante parceiro tem sido desvalorizado, sub-utilizado e mal compreendido: o público. Assim, este autor defende que o público não pode continuar a ser encarado apenas como potencial vítima de um acidente ou como massas em pânico, mas antes como um importante contributo para construir uma cultura de segurança que seja eficaz em caso de acidente.
Percepção do Risco pela população
Lindell (1996) identificou dois tipos de percepção de risco: “risk assessment”, relacionado com a identificação e descrição do risco e o “risk evaluation” relacionado com a atitude perante o risco.
A percepção do risco pela população está intimamente ligada com a maneira como a sua comunicação é realizada. Isto obriga a um objectivo e transparente processo de troca de informação entre indivíduos, grupos e instituições, que sustente uma estratégia bem elaborada e fundamentada para se transferir informações para o público. Esta tarefa é essencial para se construir uma cultura de segurança efectiva, uma vez que o nível comum de aceitação do risco baseia-se não só em conhecimentos tecnológicos, mas também em aspectos individuais e culturais de uma determinada comunidade.
A magnitude do risco varia consoante a formação, a cultura e os valores dos indivíduos, pelo que o público tende a construir o seu ponto de vista com base na sua experiência pessoal e consequente impacto, o que leva a diferentes opiniões e interpretações de risco e vulnerabilidade. Mesmo no seio de uma comunidade, a percepção do risco não é uniforme, podendo variar com a experiência pessoal, o género, o estatuto social e até com posições políticas. Deste modo, a probabilidade de algo mau acontecer, combinado com os aspectos que preocupam o público, levam à construção da sua percepção do risco, que é, assim, mais baseado em emoções do que numa análise objectiva da situação. Esta realidade torna difícil a comunicação do risco, através da realização de acções preventivas de educação/formação, uma vez que o sentimento de “se estão a falar disto é porque algo vai acontecer” pode-se difundir e gerar algum pânico. Acresce o problema da linguagem utilizada pelos especialistas na comunicação ao público que, muitas vezes, é demasiado técnica e, portanto, desadequada por introduzir entropia e provocar mal-entendidos.
Para além disto é necessário perceber que as atitudes do público serão sempre influenciadas por diversos factores, entre os quais a magnitude percepcionada das possíveis consequências de um acidente ou incidente radiológico, a ignorância acerca da natureza do risco (um risco natural, como o radão, evoca um risco menor do que o mesmo tipo de radiação ionizante produzida pelo homem) e dos seus efeitos biológicos e sociais (não esquecendo que, por norma, as pessoas tendem a recear mais o que não conseguem apreender com os seus órgãos sensoriais, como a radiação ionizante), a confiança ou falta dela, nas instituições que gerem esse risco, o envolvimento e a atenção dada pelos meios de comunicação social, bem como a informação que veicula e, acima de tudo, a relação risco-benefício da utilização de radiações (quanto maior o benefício, menor será o risco percepcionado) e o controlo dos eventos (se a pessoa sentir que pode controlar alguns aspectos da sua exposição à radiação, utilizando materiais para se proteger, por exemplo, tende a recear menos a exposição).
Fases da Comunicação do Risco
Uma efectiva comunicação do risco é vital no processo de obtenção de uma percepção do risco correcta, global e comum entre indivíduos. Isto obriga a um processo de diálogo aberto ao esclarecimento cabal das dúvidas do público. Este esclarecimento traduzir-se-á no potencial para construir confiança popular, que permitirá uma resposta adequada em momento de necessidade.
Um modelo de comunicação do risco não deve ser aceite como válido ou bem sucedido se o seu objectivo é apenas a aceitação dos argumentos dos especialistas pelo público em geral. Deverá, pelo contrário, ser encarado como bem sucedido se conseguir transmitir conhecimento acerca das matérias relevantes – o que é a radiação, como é produzida, quais os seus efeitos biológicos conhecidos e limites de dose para que ocorram e quais as ferramentas de protecção contra radiações disponíveis.
De maneira a atingir estes objectivos, qualquer comunicação com o público deverá seguir três fases:
- Partilha de informação com o público – a informação deve fluir das entidades reguladoras ou das entidades políticas, para o público, com propósito formativo/educacional – a formação como factor de prevenção;
- Divulgação – realização de campanhas pró-activas de sensibilização realizadas por entidades reguladoras ou pelo poder político que respondam a preocupações colectivas já diagnosticadas;
- Envolvimento do público – manutenção de um constante diálogo entre o público e as entidades, estabelecendo parcerias para a obtenção de melhores resultados com outros segmentos da população menos informados.
Envolvimento do Público
A segurança é a principal preocupação que afecta o público quando a questão é a utilização de radiações seja com fins médicos ou para produção de energia. O comum paralelismo com as detonações das bombas atómicas e com os acidentes em centrais nucleares é a principal fonte de enviesamento desta problemática. Apesar de serem situações bastante distintas da nossa realidade radiológica, a estratégia não pode passar pelo desprezo pelas preocupações das pessoas, mas antes perceber quais são realmente as questões que as preocupam e depois tentar desconstruir medos infundados.
Objectivos
Atingir um nível de avaliação do risco radiológico uniforme entre o público, permitindo-lhe estar mais educado e preparado;
Encorajar o publico melhor informado e preparado para contribuir para uma cultura saudável de segurança radiológica.
Referências Bibliográficas
Bruno Martins
Mestrado RATES – Ramo de Protecção contra Radiações
Maio de 2011
Este ensaio obteve a classificação de 20 valores no âmbito da UC de Epidemiologia Aplicada às Radiações do Mestrado de Radiações Aplicadas às Tecnologias da Saúde.
Espero que gostem e que vos dê tanto prazer ler, como me deu escrever.
BM